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"cosa mentale"

“Toda a vez que uma obra de arte é capaz de produzir o fenômeno estético em mais de um ser humano, essa obra de arte é social.”
Mário Ferreira dos Santos em "Convite a Arte e Convite a Dança", 5º edição.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

As magias IV: o último e íntimo




"Articular uma zona de não conhecimento não significa, de fato, simplesmente não saber, não se trata somente de uma falta ou de uma defeito. Significa, pelo contrário, mantermo-nos na exata relação com uma ignorância, deixar que um desconhecimento guie e acompanhe os nossos gestos, que um mutismo responda limpidamente pelas nossas palavras. Ou, para usarmos um vocabulário obsoleto, que aquilo que nos é mais íntimo e nutritivo tenha a forma não da ciência e do dogma, mas da graça e do testemunho. A arte de viver é, nesse sentido, a capacidade de nos mantermos em relação harmônica com o que nos escapa. 

O saber também se mantém, em última análise, em relação com uma ignorância, mas o faz pelo modo do recalcamento ou porque aquele, mais eficaz e potente, da pressuposição. O não saber é o que o saber pressupõe como o país inexplorado que se pretende conquistar, o inconsciente é a treva à qual a consciencia deverá levar a luz. Em ambos os casos, algo vem separado, para depois ser penetrado e alcançado. A relação com uma zona de não conhecimento vela, pelo contrário, para que permaneça como tal, e não para exaltar a sua obscuridade, como faz a mistica, nem para glorificar o seu arcano, como faz a liturgia. E tampouco para enchê-la de fantasmas, como faz a psicanálise. Não se trata de uma doutrina secreta ou de uma ciência superior, nem de um saber que não se sabe. É possível, antes, que a zona de não conhecimento nada contenha propriamente de especial, que, se pudéssemos olhá-la por dentro, conseguiríamos entrever somente - mas não tão certamente - um velho e pequeno trenó abandonado, apenas - mas não claramente - o aceno intratável de uma menina que nos convida para brincar. Talvez não exista sequer uma zona de não conhecimento, e existam apenas os seus gestos. Como Kleist tão bem havia entendido, a relação com a zona de não conhecimento é uma dança." 


Agamben, Giorgio. In O último capitulo da história do mundo.

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