O
signo vem marcado, em toda sua laboriosa gestação, pelo escavamento do corpo. O
acento que os latinos chamavam anima vocis, coração da palavra e matéria-prima
do ritmo, é produzido por um mecanismo profundo que tem sede em movimentos
abdominais do diafragma. Quando o signo consegue vir à luz, completamente
articulado e audível, já se travou, nos antros e labirintos do corpo, uma luta
sinuosa do ar contra as paredes elásticas do diafragma, as esponjas dos
pulmões, dos brônquios e bronquíolos, o tubo anelado e viloso da traqueia, as
dobras retesadas da laringe (as cordas vocais), o orifício estreito da glote, a
válvula do véu palatino que dá passagem às fossas nasais ou à boca, onde topará
ainda com a massa móvel e víscida da língua e as fronteiras duras dos dentes ou
brandas dos lábios.
O
som do signo guarda, na sua aérea e ondulante matéria, o calor e o sabor de uma
viagem noturna pelos corredores do corpo. O percurso, feito de aberturas e aperturas,
dá ao som final um proto-sentido, orgânico e latente, pronto a ser trabalhado
pelo ser humano na sua busca de significar. O signo é a forma da expressão de
que o som do corpo foi potência, estado virtual.
A.Bosi in 'A face
Estética do Self' - Gilberto Safra p.120, Ed. unimarco
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