Páginas

"cosa mentale"

“Toda a vez que uma obra de arte é capaz de produzir o fenômeno estético em mais de um ser humano, essa obra de arte é social.”
Mário Ferreira dos Santos em "Convite a Arte e Convite a Dança", 5º edição.

sábado, 6 de junho de 2015

As coisas mudam

 


  
   Waltercio Caldas: A emoção estética -  1977

 

         Waltercio Caldas: Garrafas com rolha -1975. Um tipo de arte provérbio


 


 Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.
Manoel de Barros 

                     


Arcimboldo ouviu o apelo das coisas antes mesmo de sua consumação como gênero pictórico, alcunhada de “natureza morta” no séc. XVII. Ainda assim, não tão instigante como propunha aquele.  Dadaístas/surrealistas imprimiriam o absurdo numa lógica que se propunha certa (tal é a natureza do gosto), com seus “objets trouvés”. O peso objetal de suas existências que podem soar extremamente ofensivos por serem (in)exatamente o que são,  numa ordem que varia. Munari nos diz do aspecto trans-funcional das coisas, que, quando invertidas e em associações diversas, ganham uma dimensão a qual chamamos fantasia. O princípio da fantasia é a inversão. Um poeta como Joan Brossa, que é um poeta das coisas, da palavra enquanto “coisa” se apresentava como um mágico. Um mágico sabe a língua das coisas, das coisas a língua; manuelísticamente. A ordem dos objetos/coisas os torna, por meio de sua gramática cotidiana própria, por vezes, invisíveis. Farnese de Andrade auscultou o eco mudo das coisas. A obra: uma imperiosa solidão congelada e encerrada numa circunstância de coisa. Em Farnese as coisas são insuportavelmente coisas ainda que travestidas de sua suposta irreversível humanidade. Porém, como canta o poeta Arnaldo Antunes, as coisas não tem paz: “têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, destino, idade, sentido”. É por conta de sua propriedade situacional, limítrofe, apropriadas, expropriadas ou desapropriadas para outras instâncias de relação num jogo de dados que não abole o acaso, mas incita um caso, que as coisas podem proverbiar. Seu ruidoso pró-verbio é também um anti-verbio. As coisas, embora de caráter metonímico, falam por si. São sua própria língua num discurso sem curso.
 


Nenhum comentário: