Waltercio Caldas: A emoção estética - 1977
Waltercio Caldas: Garrafas com rolha -1975. Um tipo de arte provérbio
Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear.
Até que
ele fique à disposição de ser uma
begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não
tenham
idioma.
Manoel de Barros
Arcimboldo
ouviu o apelo das coisas antes mesmo de sua consumação como gênero
pictórico, alcunhada de “natureza morta” no séc. XVII. Ainda
assim, não tão instigante como propunha aquele.
Dadaístas/surrealistas imprimiriam o absurdo numa lógica que
se propunha certa (tal é a natureza do gosto), com seus “objets
trouvés”. O peso objetal de suas existências que podem soar
extremamente ofensivos por serem (in)exatamente o
que são, numa ordem que varia. Munari nos diz do aspecto
trans-funcional das coisas, que, quando invertidas e em associações
diversas, ganham uma dimensão a qual chamamos fantasia. O princípio
da fantasia é a inversão. Um poeta como Joan Brossa, que é um
poeta das coisas, da palavra enquanto “coisa” se
apresentava como um mágico. Um mágico sabe a língua das coisas,
das coisas a língua; manuelísticamente. A ordem dos
objetos/coisas os torna, por meio de sua gramática cotidiana
própria, por vezes, invisíveis. Farnese de Andrade auscultou o eco mudo das
coisas. A obra: uma imperiosa solidão congelada e encerrada numa
circunstância de coisa. Em Farnese as coisas são insuportavelmente
coisas ainda que travestidas de sua suposta irreversível humanidade.
Porém, como canta o poeta Arnaldo Antunes, as coisas não tem paz:
“têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição,
textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência,
profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço,
destino, idade, sentido”. É por conta de sua propriedade
situacional, limítrofe, apropriadas, expropriadas ou desapropriadas
para outras instâncias de relação num jogo de dados que não abole
o acaso, mas incita um caso, que as coisas podem proverbiar. Seu
ruidoso pró-verbio é também um anti-verbio. As coisas, embora
de caráter metonímico, falam por si. São sua própria língua num
discurso sem curso.
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