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"cosa mentale"

“Toda a vez que uma obra de arte é capaz de produzir o fenômeno estético em mais de um ser humano, essa obra de arte é social.”
Mário Ferreira dos Santos em "Convite a Arte e Convite a Dança", 5º edição.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Coágulos de ar - Chama o Wilden!



Um dos prédios onde tínhamos aula era improvisado ao lado dos estábulos do curso de veterinária. Havia apenas um funcionário fixo ali: o Wilden. 

Wilden organizava pastas, carimbava carteirinhas de passe escolar, guardava o material de limpeza, abria e fechava as salas, fazia café, consertava vídeo-cassetes, projetores e televisões, desentupia pias, desemperrava torneiras, trocava lâmpadas.  Nunca soube exatamente qual nome de cargo estaria registrado em seu contrato. Wilden não usava crachá.

Todos sabiam mesmo seu nome que era chamado diante de toda situação que fosse considerada um problema, Wilden sempre ia dar uma olhadinha, seja agora, seja depois, e invariavelmente descobria que isso era só fazer assim ou de outro jeito.

Uma vez, entramos para aula e o professor estava sentado numa cadeira, mão no queixo, olhando para o alto. Quando se deu pela nossa presença, ele começou:

- Aconteceu uma coisa... A aula era sobre criatividade... Aí, eu cheguei e o Wilden tava aqui, instalando o projetor. Eu falei pra ele: essa sala é estranha, só tem o prego aí, né? Mas, seria tão bom se a tela pudesse ficar aqui... Ali é ruim de ver...

A parede onde o professor queria colocar a tela era forrada de armários de cima a baixo.

- Aí, ele falou assim: ah! você quer pôr a tela aí? A gente põe! Eu falei: ué? mas, dá?

- dá, sim...

Aí, o Wilden veio com a chave do armário, enfiou ali na fechadura e pendurou a tela. Assim ó, vocês tão vendo? E... Eu acho que é isso...


A forma, o que afeta.






segunda-feira, 28 de julho de 2014

...é nada, não... é só da lida... só do jeito das coisas serem...




"Ocorre-me por vezes de achar que o trabalho do artista é um tipo muito antigo de trabalho, o próprio artista é uma sobrevivência, um operário ou um artesão de uma espécie em vias de extinção, que fabrica fechado em seu quarto, usa procedimentos muito pessoais e muito empíricos, vive na desordem e na intimidade de suas ferramentas..."


"O quarto de Degas repetia a mesma negligência do resto, pois tudo naquela habitação lembrava a ideia de um homem que não fazia questão de nada a não ser da vida..."


(Paul Valéry, Degas Dança Desenho)

sexta-feira, 25 de julho de 2014

As Magias II: koan



OPÚSCULO GOETHEANO - 1

  ...die Natur kann die
Entelechie nicht entbehren...
(... a natureza não pode
dispensar a enteléquia...)


manter a enteléquia
ativa
quero dizer
como o fósforo
(branco)
que acende dentro d’água
com o fogo no pórfiro
(dentro)
a pala d’oro

*

a enteléquia:
a que enracina
e desraíza
o que centra
e descentra
o que ímã
e desimanta
o que no corpo
desincorpa
e é corpo: áureo
aural
aura

*

mantê-la viva
no arco voltaico dos cinquent’anos
consona a lira dos vinte
e vibra
é o mesmo fogo no signo do leão
para a combustão desta página
virgem
o mesmo soco no plexo solar
a mesma questão (combustão)
de origem

*

a enteléquia
mantê-la
viva

*

entre larva e lêmure
viva
entre treva e tênue
viva
entre nada e nênia
viva

*

a enteléquia
esse fazer que se faz de fazer

*

talvez um pó
depois que a asa cai
e desala
(cala)

*

um íris um cisco
luminoso

um último rugitar dos neurônios
farfalhados um nu de urânio
alumbrando
sensório: pala d’oro

ou a chama que tirita
no âmago do pórfiro

*

mantê-la ativa a enteléquia

*

rosácea de nervuras negras
vapor de ouro
por onde o azul e o roxo coam
vê-la para além transvê-la
chuva de rosas destenebrantes
aspirar esse aroma
viva mantê-la viva
a enteléquia

*

uma forma de transcender no descender

*

poeira radiosa
quartzo iridescente
a natureza incuba a metáfora
da forma
a tresnatura: formas
em morfose

*

ativa
a enteléquia ativa: a
música das esferas

*

não há anjos nessa órbita querúbica
há poeira (poesia) radiante
casulos resolvidos em asas

um comover de harpa eônia
um riso onde a dissolta enteléquia
(nó desfeito no após do pó)

primavera



Haroldo de Campos - A educação dos cinco sentidos


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Galeria Comentada - Labyrinth de Saul Steinberg







Entre um ponto e outro há todo o espaço do mundo. É nele que a linha delira é por ele que ela desanda, aladas passadas. Steinberg nos outorga uma obra que fala, seu desenho é um eco de palavra, de palavra inventada.Este labyrinth é deleite do olho que se irmana da mão ao seguir destes requintes.Linhas magistrais, linhas menestréis, Poesia delineada. Cada linha tem uma personalidade, intriga-nos vê-las, surpreendê-las em seu volteio como se nós dançássemos no meio.


sábado, 28 de junho de 2014

NÓS SOMOS OS PROPOSITORES


1968: Nós somos os propositores

Somos os propositores: somos o molde; a vocês cabe o sopro, no interior desse molde: o sentido de nossa existência.

Somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso dispor.

Somos os propositores: enterramos "a obra de arte" como tal e solicitamos a vocês para que o pensamento viva pela ação.

Somos os propositores: não lhes propomos nem o passado nem o futuro, mas o "agora".

Lygia Clark

quarta-feira, 14 de maio de 2014

descoberta do mundo: nota 1985 . . .


DIÁLOGO DO DESCONHECIDO


-Posso dizer tudo?

-Pode.

-Você compreenderia?

-Compreenderia. Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei - por ser um campo virgem - está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade.

Clarice Lispector. In Descoberta do Mundo


quarta-feira, 30 de abril de 2014

vê o silêncio...?


... como sugerir a escuta de um bosque? ...

Será que uma pessoa pode ser alguém "com horizonte na vida", se não vive a experiência possivelmente cotidiana, e não apenas turística, de contemplar no silêncio de um fim de tarde a nunca mesmice de um pôr do sol?

"até que nem tanto exotérico assim..."

Essa experiência tem a ver com um certo ritmo, com uma cadência respiratória, com o alargamento dos acreditados limites do existir, com o pouso numa quietude de onde pode emergir o que ainda não é. Que poderá manifestar-se depois em turbulência, ruptura, denúncia, dor, tanto faz. Falo do silêncio não como alienação, mas como condição de gestação do porvir.

"de onde vem o baião, vem debaixo do barro do chão..."
 
(Venha ver o por do sol - considerações sobre a experiência do silêncio na formação artística - Regina Machado)

terça-feira, 22 de abril de 2014

O que (des) orienta

.

Imediatidade
Se eu tivesse que indicar a declaração que mais influenciou a minha arte, seriam as seguintes palavras de Dogen, um mestre zen do século XIII : "Quando você pintar a primavera, não pinte salgueiros, ameixeiras, pessegueiros ou damasqueiros - apenas pinte a primavera"  O que é a "primavera?" como podemos vivencia-la diretamente?



***

Citações Inusitadas
Comentário do marceneiro com quem eu estava conversando sobre os pincéis que inventei:"os cabos de bambu podem ter um aspecto melhor". " Sou um artista", retruquei. " por que deveria me preocupar com aparências?"

Kaz - O coração do pincel

segunda-feira, 21 de abril de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

A linha que sonha um menino

.




[Eu vi muitos cabelos brancos na cabeça do artista...
      ..................................................... O tempo passa, passa, mas ele nunca envelhece]

Ele olha... ele olha...
Pega nas mãos
afetos sorri
Encanto Endansa
na linha que sonha

         Ah... A gente se afeiçoa dele!

                         Avoa, menino...
                                     Avoa...

pequelezas
pequenices

Eu ia até jogar fora...
                           
                              (solta
                               voa
                               que a gente faz outro!)

Ah... mas, se você gostou...
então pode guardar pra você...


HOTARU








quarta-feira, 5 de março de 2014

des-didática__des-caminho___tecimentos_a_con --- p a i s a j ar



Quando o rosto torna-se uma hecceidade: "era uma curiosa mistura, o rosto de alguém que simplesmente encontrou  o meio de se ajeitar com o momento presente,com o tempo que está fazendo, com essas pessoas que estão aí". Você é longitude e latitude, um conjunto de velocidades e lentidões entre partículas não formadas, um conjunto de afectos não subjetivados. Você tem a individuação de um dia, de uma estação, de um ano, de uma vida (independente da duração); de um clima, de um vento, de uma neblina, de um enxame, de uma matilha (independente da regularidade). Ou pelo menos você pode tê-la, você pode consegui-la. Um enxame de gafanhotos trazidos pelo vento às cinco horas da tarde...


Deleuze&Guatarri. Mil Platôs vol. 4, p.49

domingo, 2 de março de 2014

des-didática ou a pedagogia do algo

.
“A aranha dança sua rede sem pensar nas moscas que se prenderão nela. A mosca, dançando despreocupadamente num raio de sol, se enreda sem saber o que a esperava. Mas tanto na aranha, como na mosca, algo dança, e nela o exterior e o interior são a mesma coisa” 

 A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen - Eugen Herrigel